AUTOR: JORGE CARREGA
Os Filmes da segunda metade dos anos 60: Parte I Por Jorge Carrega A segunda metade dos anos 60 foi um período conturbado para a sociedade americana. Com o envolvimento na guerra do Vietnam e e a crescente contestação política dos movimentos estudantis e dos direitos civis, deu-se o aparecimento de uma contra cultura, que colocou em causa todo o modelo de entretenimento adoptado por Hollywood durante décadas. No panorama musical as bandas britânicas, lideradas pelos Beatles e os Rolling Stones, operavam uma nova revolução musical, semelhante àquela que Elvis havia protagonizado uma década antes. Como consequência desta revolução musical, grandes nomes da pop- rock clássica, como Fats Domino, Ricky Nelson, Os Everly Brothers ou Roy Orbison, foram relegados para os lugares inferiores do Top 40, até desaparecerem gradualmente das tabelas de vendas. O mesmo aconteceu com Elvis, que depois do êxito modesto da banda sonora de Harum Scarum, em Dezembro de 1965, só voltaria a entrar no Top 10 americano e britânico de álbuns no Natal de 68, com o famoso 68 Especial. Situação idêntica, registou-se com os filmes protagonizados pelo cantor, que a partir de meados da década de sessenta decaíram em qualidade e popularidade, o que levou o Coronel Parker a apostar em produções de baixo orçamento, dirigidas exclusivamente ao público fiel de Elvis, em vez de permitir que o cantor desenvolvesse uma carreira como actor dramático em filmes direcionados para o público adulto. Incapazes de compreenderem as mudanças operadas na sociedade americana, os produtores de Hollywood decidiram capitalizar na popularidade ainda considerável de Elvis, com filmes medíocres que na sua maioria apenas reciclavam o tipo de historias que tinham funcionado bem no início dos anos 60. Deste modo, Elvis viu-se obrigado a interpretar filmes medíocres e repetitivos como Paradise Hawaiian Style (66), Spinout (67), Clambake (67) e Speedway (68), ou produções assumidamente de Série B, cujos baixos valores de produção contribuíram bastante para a sua rejeição, nomeadamente: Kissin Cousins (64) Harum Scarum (65) e Frankie and Johnie (66). No entanto, apesar de serem produções modestas, e normalmente agrupadas no conjunto dos piores filmes protagonizados por Elvis durante a segunda metade dos anos 60, Harum Scarum, Frankie and Jonhie e Double Trouble, destacam-se na filmografia do cantor, uma vez que revelam uma sensibilidade pós-moderna que as distingue claramente dos restantes filmes de Presley. De facto, Harum Scarum, Frankie and Johnny, e em menor grau Double Trouble, constituem curiosos exercicos de Camp, um estilo de cinema caracterizado visualmente por um grande artificialismo, aliado ao tratamento de temas e géneros cinematográficos em tom de paródia. Deste modo, Harum Scarum (65) funciona como uma paródia aos filmes de aventuras orientais, que constituíram um subgénero do cinema de aventuras de Hollywood desde o período mudo, com os filmes de Douglas Fairbanks e Rudolfo Valentino, continuando até aos anos 50 com algumas películas protagonizadas por Tony Curtis, um dos ídolos de adolescência de Elvis. Por sua vez, Frankie and Johnny constitui uma homenagem à cultura popular americana e em especial ao cinema musical. Ao contrario de obras como Show Boat (51) ou Meet me in St Louis (44) e State Fair (45) que transmitem um sentimento de nostalgia pelo final do séc. XIX e o início do séc. XX, Frankie and Johnny (66) é um exercício de cinema pós-moderno porque o seu revivalismo é dirigido não a esse período da historia americana mas aos filmes que a evocavam e que marcaram o imaginário popular americano, funcionando desse modo como homenagem a dois períodos distintos da cultura popular americana transformada em industria de entretenimento. Por seu lado, Double Trouble (67), é uma curiosa paródia musical aos trillers hitchcokianos e seus derivados, películas como The Prize (63) de Mark Robson e Charade (64) de Stanley Donen, que exploraram a popularidade de um género cinematográfico popularizado pelo mestre do suspense em obras como; The Lady Vanishes (38), The Man Who Knew Too Much (55) e North by Northwest (59). Tal como nos filmes de Hitchcock, a história de Double Trouble é construída em torno de um “Mcguffin” (as jóias roubadas que todos procuram), e do tema do falso culpado, (Elvis é acusado de ser o ladrão de jóias). Tratados de forma ligeira mas simbolicamente reforçados pela presença de John Williams, conhecido pela sua participação em Dial M to Murder (54) e Too Catch a Thief (56), os temas hitchcockianos e a estrutura do triller são integrados na estrutura base dos musicais de Elvis, transformando Double Trouble num exercício de cinema pós-moderno, que reflecte sobre os clichés de dois géneros distintos do cinema americano, o triller e a comédia musical. Vistos nesta perspectiva, Harum Scarum, Frankie and Johnny e Double Troube, ganham uma relevância estética que os distingue claramente da maioria dos filmes protagonizados por Elvis em meados dos anos 60. Jorge Carrega é o autor do livro: Elvis Presley e o Cinema Musical de Hollywood
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