CHANGE OF HABIT: 40 ANOS DEPOIS
Em Dezembro de 1968, Elvis Presley voltou a surpreender os americanos ao apresentar-se no topo da sua forma fisica e criativa no programa especial de TV, “Singer presents Elvis”, mais conhecido por “Elvis 68 Special”. Em Janeiro de 1969 o cantor iniciou as sessões de gravação que vieram a resultar nos dois excelentes álbuns: “From Elvis in Memphis” e “From Memphis to Vegas, From Vegas to Memphis”, aclamados pelo público e pela crítica musical.
Foi neste contexto de grande revitalização artística e profissional que Presley iniciou a rodagem daquela que viria a ser a sua última longa-metragem de ficção, “Change Of Habit”.
Filmada entre Março e Abril de 1969 em Los Angeles e nos estúdios da Universal, “Change of Habit” assinalou o regresso do cantor ao território do musical dramático, do qual se encontrava afastado desde “King Creole” (58). Contudo, um dos aspectos que distinguiu esta película de muitas outras protagonizadas por Elvis durante os anos 60 foi a temática adulta do seu roteiro, que reflectia sobre alguns dos problemas sociais que afectavam os grandes centros urbanos dos EUA, nomeadamente a criminalidade urbana e a necessidade de um sistema nacional de saúde que garantisse assistência médica gratuita às populações desfavorecidas, permitindo desse modo um combate mais eficaz às desigualdades sociais.
Ainda que aparentemente, a história de “Change of Habit” seja sobre uma invulgar história de amor entre um médico, protagonizado por Elvis e uma freira que trabalha como enfermeira na clínica de um bairro pobre (papel desempenhado por Mary Tyler Moore), esta película constituía acima de tudo uma crítica às forças conservadoras que se mostravam incapazes de lidar com as profundas transformações sociais que ocorreram na sociedade americana da década de 60. É precisamente nesse sentido que surge a personagem do Padre Gibbons, símbolo de uma igreja conservadora, moralista, e distante dos problemas reais das pessoas. Nesse sentido, o ultimo filme narrativo protagonizado por Elvis Presley faz uma apologia da tolerância e do humanismo, valores representados pelas personagens do Dr. Carpenter (Elvis) e das freiras (protagonizadas por Mary Tyler Moore, Barbra Mcnair e Jane Elliot), que com a sua dedicação aos mais necessitados contribuem para reacender a fé dos habitantes do bairro que se sentiam esquecidos pelo Padre Gibbons.
Dirigido por William Graham, um realizador que trabalhou essencialmente em séries dramáticas de TV, “Change of Habit” é uma obra competente que constituiu um esforço assinalável para devolver Elvis a um cinema mais realista e de temática contemporânea, revelando uma consciência social poucas vezes presente nos filmes do cantor. Apesar de incluir quatro temas musicais, “Change of Habit”, situa-se na fronteira entre o cinema musical e o drama social de estilo realista, afastando definitivamente o cantor das praias e discotecas que compunham o universo da maioria dos seus filmes. Apesar da inclusão dos temas musicais, esta película foi concebida como um filme dramático no qual apenas o tema “Let Us Pray”, que constitui uma das cenas finais do filme, possui uma função importante no desenvolvimento dramático da história. Pelo contrário, “Change of Habit”, “Rubbernecking” e “Have a Happy”, apesar de constituírem agradáveis interlúdios musicais, na melhor tradição da comédia romântica musical, não cumprem qualquer função de relevo na narrativa, constituindo por isso exemplos de números musicais não integrados.
Quarenta anos após a sua estreia, “Change of Habit” (69) é ainda hoje um filme interessante que vale a pena rever, e nos leva a reflectir sobre aquilo que poderia ter sido a carreira cinematográfica de Elvis Presley, caso o cantor não tivesse desperdiçado boa parte dos anos 60 em comédias musicais medíocres e repetitivas.
Jorge Carrega Autor do livro: “Elvis Presley e o Cinema Musical de Hollywood”
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