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ELE NASCEU HÁ DEZ MIL ANOS

Célia Maria Plácido Santos

"Amai para entendê-las!

Pois só quem ama pode ter ouvido

Capaz de ouvir e de entender estrelas."

(Olavo Bilac, in Via-Láctea).

A voz rasgante de Elvis no Comeback' 68 e seu desempenho arrebatador antecipava o que viria: o tigre até então enjaulado, fazendo valer agora sua liberdade:  convicção de que estava fazendo o que mais desejava (e sabia), estar novamente junto ao seu fiel e boquiaberto público, senti-lhe as palpitações, os tremores,  em resposta à sua entrega total e irrestrita, como fora nos primórdios, como só poderia ser, doravante. O suor escorrendo em seu rosto, o cabelo descomposto, a negra roupa encharcada, enfim, agora ele se permitia apenas SER e SENTIR!

E, assim, fazia a roda do mundo girar, num reinício como se o ouvíssemos pela vez primeira, como se víssemos um novíssimo Elvis, onde ter-se-ía  escondido este de agora?

Então, num pecular vir-a-ser, ele encadearia uma reinvenção constante de si mesmo, num e noutro show, emoldurado por vestuários cada vez mais elaborados como a apresentar a nova dimensão do mais enigmático e complexo homem-show de todos os tempos. Ele, o palco e os espectadores iam-se fundindo em sedutores e seduzidos, com  beijos em bocas ardentes, echarpes esvoaçantes, gestos inimagináveis, clímax mágico regado a sangue, suor e lágrimas. De ambos os lados.

Sua alma, inquieta e generosa, sedenta e faminta, urgia dissolver-se na dos fãs de uma maneira contundente, irreversível, desesperadora até, como a buscar ali o lenitivo para suas dores todas, transmutadas em pleno  palco, seu local sagrado de labor, numa troca de emoção, calor, amor. Com "instinto e impulso".

Bem, no dizer de alguns autores, ao término das apresentações que se seguiriam então, Elvis se deprimiria, quem sabe a pressentir que, somente ali ele poderia experimentar o único e irrestrito amor. Quem saberá?

Ele vivenciava uma enxurrada de sentimentos, muitos ambivalentes, emoções, expectativas, entregas, esperanças, contrastando com sua vida privada eivada de desenganos, traições, manipulações; ele só sabia responder a isto com seus próprios recursos internos, com sua voz, com sua entrega, meu Deus, desta vez me deste uma montanha!

Creio mesmo ser verdadeira a afirmação que ele nasceu há dez mil anos! Ou seja, é fruto de um acúmulo atávico de sons, saberes, ações e reações que desembocaram no que se apresentou, em nossa era, como Elvis Presley.

Ora, nos dias de sua curta/intensa vida, seu corpo belo e grego, sua arte à frente de uma época, sua mente incompreendida,  quem sabe, ressentiram-se por demais  dos ataques e vicissitudes de sua trajetória como homem; afinal,  seu soma não resistiu às altas voltagens de descargas elétricas deletérias em seu belo corpo e sensível psique, e ele  foi-se  permitindo ir indo, aos poucos, embora...

Pode ser que sua alma já estivesse cansada de tudo aqui e, sedenta de novas e mais evoluídas esferas, ansiasse pela fatal libertação; ele, intuitivo que era, naquele abrir dos braços com a capa por detrás dos ombros, é possível que estivesse tão obviamente declarando em cena, para aqueles que o compreendiam para além de tudo, que tomaria a direção da Via-Láctea, assim mesmo, ajoelhado como em prece... 

Amigos: é só olhar e "ver"!

O êxtase estampado nos rostos, as lágrimas de despedida, os gritos incontroláveis, as faces apreensivas quando ele se ia, como se não fosse voltar jamais, atestam a veracidade daquela atmosfera mítica e mística que permeava suas apresentações...

Pois não o sentimos nós  isto mesmo, hoje, através dos filmes que o retratam?

Crianças, jovens, ousá-lo; vejam-no; compreendam-no; amem-no!

Nosso mundo atual, acelerado e superficial, poderia não comportá-lo, não fosse em forma de mito... Aqueles valores que ele trazia em seu sotaque, em seus modos, na sua melancolia emprestada dos  negros sulistas, na sua ânsia pelo "novo" que fora apresentado como chocante, pela sua voz incomum como vinda de outros planos, ora, tudo isto tem o dom de nos remeter ao mais profundo de nós mesmos, ou seja, como um apelo ao autoconhecimento, nem que seja através do convite aparentemente ingênuo de um "Good Rockin' Tonight".

Ave, Elvis!

 Célia Maria Plácido Santos